quinta-feira, 9 de abril de 2015

O ÚLTIMO ARTIGO: "A EXCLUSÃO DA CLASSE MÉDIA"

BARBOSA LIMA SOBRINHO -



O artigo foi escrito para a coluna do Jornal do Brasil e publicado no dia em que faleceu (16/07/2000), na cidade do Rio de Janeiro. "Achávamos que esse dia nunca ia chegar, que iríamos antes dele. Ao longo dessa vida, Barbosa Lima construiu um círculo tão amplo, que fomos nos filiando. Ele se tornou uma espécie de patriarca desta Nação. Todos nós nos sentimos profundamente abalados. Se o País se inspirar nos exemplos de dignidade e, sobretudo, de patriotismo dele, esta Nação não terá o que temer no futuro". Foram as palavras do ex-governador Leonel Brizola no triste dia em que os brasileiros perderam uma verdadeira reserva moral do País. 



 
A igualdade é pressuposto básico da Democracia, que, sem ela, não tem condições de sobreviver. Parece primário, mas a tese é ampla e, com oportunidade, pode ser colocada na atualidade do Brasil. Segundo estudo recente do Bird (Banco Mundial), existe entre nós uma espécie de desesperança crônica que prejudica o desenvolvimento sustentável e, de certa forma, enfraquece a Democracia. 



Na última edição da revista Veja, o colunista Sérgio Abranches, em artigo intitulado 'Pessimismo Econômico', traz números que deveriam contradizer essa desesperança. Mas ele mesmo reconhece que existe um sentimento de mal-estar econômico tão real quanto a queda da inflação. Que esse desconforto vem do medo do desemprego, das dificuldades para saldar compromissos, da frustração de planos de consumo. Seu artigo finaliza com algum otimismo, dizendo que aos poucos os brasileiros voltarão a ter melhores perspectivas. Uma conclusão com a qual não posso concordar integralmente, sobretudo diante de um governo atual tão distante e indiferente à opinião pública. A longo prazo, números podem resolver e apenas parte da questão. Para a reversão de expectativas para um futuro melhor são necessárias algumas mudanças fundamentais na condução da política econômica. A desesperança não é gratuita e remonta a várias turbulências em que se jogou a nação. 



A verdade é que não se pode simplesmente esquecer o passado. Desde o golpe de 64, o País vem sofrendo alternâncias de crises, de confiscos e desilusões. Depois de toda a opressão imposta pelo regime militar, os brasileiros sofreram uma série de golpes frustrantes na Economia, desde a crise do México, a moratória, os planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor, fechando o ciclo com a desvalorização cambial do ano passado. E tudo isso dentro de duas décadas de atraso, onde o PIB cresceu apenas pouco mais de 0,2% ao ano. Nossa distribuição de renda agravou-se ainda mais, a ponto de ser considerada uma das piores do mundo. Serão explicações razoáveis? 



A meu ver, como já escrevi em artigo do mês passado, ocorreu uma espécie de deterioração do sentimento de nacionalidade. Admito também, agravada por uma ruptura nas regras do jogo cooperativo entre os três parceiros da Economia: os trabalhadores, os empresários e o Governo. É nesse sentido o artigo do deputado Delfim Netto, publicado no jornal Valor (11.07.00), que afirma: ‘É preciso construir instituições que, sem prejudicar a eficiência, garantam aos trabalhadores uma realidade participativa, uma faceta fundamental da aspiração por ‘igualdade’ que persegue o homem. A sobrevivência da Democracia exige que eles se percebam parte integrante e respeitada do processo de crescimento da sociedade, e não seres alienados para os quais o desenvolvimento material e a liberdade são irrelevantes.’ A seguir afirma ser preciso dar ao cidadão perspectivas de cooperação como parceiros, de liberdade criativa e de relativa igualdade. Essas funções seriam das empresas, mas cabe ao Governo criar o ambiente estimulador para esse novo conjunto de regras, o que permitiria a competição sem a perda da perspectiva. E termina seu artigo com um alerta: ‘Crescimento pela competição num regime democrático é o nome do jogo. Mas é preciso cuidado e sensibilidade, porque o fundamentalismo mercadista pode fazer muita coisa, mas não pode garantir a relativa igualdade entre os indivíduos, um valor que eles jamais deixarão de perseguir.’ 



Vou além e acrescento que para essa tarefa de administração do jogo não se pode contar com o atual Governo, não só pela sua falta de sensibilidade, como também pelo fato de ser ele, o Governo, o principal foco de desestabilização econômico-social. O que concorre para tanta desilusão não são só os espetáculos a que estamos assistindo de corrupção, impunidade, irresponsabilidade generalizada. A perda do sentimento de nacionalidade tem muito a ver com a desnacionalização da nossa Economia, com a invasão de empresas estrangeiras, numa espécie de demonstração prática de que o brasileiro é incapaz de gerenciar e produzir, devendo se restringir apenas à função de rentista, como se dizia no século 19.



Todo esse processo provocou a exclusão da classe média do debate e do cenário econômico. Mandaram-na deixar suas empresas para mãos mais eficientes e que fosse viver de aluguel. O Governo atual, com essa política, sinalizou com clareza que o Brasil não terá grandes empresas de expressão internacional, não terá suas multinacionais. Não estará aí, justamente nessa política de alienação patrimonial, uma das principais razões da desesperança e do pessimismo atual do brasileiro? 



Por tudo isso, quando leio ou ouço esses apanágios antigos do Liberalismo como o do Estado fraco, da globalização, da mão invisível, fico imaginando qual será a reação da opinião pública quando, afinal, acordar e perceber que lhe tiraram tudo e sequer restou o aluguel. Será que teremos de esperar e pagar para ver chegar esse momento trágico? Não será melhor que, sobretudo como obrigação da maior parte dos formadores de opinião, se comece logo a reagir e a defender os legítimos interesses nacionais?


*Fonte: Observatório da Imprensa.

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