BARBOSA LIMA SOBRINHO -
O artigo foi escrito para a coluna do Jornal do Brasil e
publicado no dia em que faleceu (16/07/2000), na cidade do Rio de Janeiro.
"Achávamos que esse dia nunca ia chegar, que
iríamos antes dele. Ao longo dessa vida, Barbosa Lima construiu um
círculo tão
amplo, que fomos nos filiando. Ele se tornou uma espécie de patriarca
desta
Nação. Todos nós nos sentimos profundamente abalados. Se o País se
inspirar nos
exemplos de dignidade e, sobretudo, de patriotismo dele, esta Nação não
terá o
que temer no futuro". Foram as palavras do ex-governador Leonel Brizola
no triste dia em que os brasileiros perderam uma verdadeira reserva
moral do País.
A igualdade é pressuposto básico
da Democracia, que, sem ela, não tem condições de sobreviver. Parece primário,
mas a tese é ampla e, com oportunidade, pode ser colocada na atualidade do
Brasil. Segundo estudo recente do Bird (Banco Mundial), existe entre nós uma
espécie de desesperança crônica que prejudica o desenvolvimento sustentável e,
de certa forma, enfraquece a Democracia.
Na última edição da revista Veja,
o colunista Sérgio Abranches, em artigo intitulado 'Pessimismo Econômico', traz
números que deveriam contradizer essa desesperança. Mas ele mesmo reconhece que
existe um sentimento de mal-estar econômico tão real quanto a queda da inflação.
Que esse desconforto vem do medo do desemprego, das dificuldades para saldar
compromissos, da frustração de planos de consumo. Seu artigo finaliza com algum
otimismo, dizendo que aos poucos os brasileiros voltarão a ter melhores
perspectivas. Uma conclusão com a qual não posso concordar integralmente,
sobretudo diante de um governo atual tão distante e indiferente à opinião
pública. A longo prazo, números podem resolver e apenas parte da questão. Para
a reversão de expectativas para um futuro melhor são necessárias algumas
mudanças fundamentais na condução da política econômica. A desesperança não é
gratuita e remonta a várias turbulências em que se jogou a nação.
A verdade é que não se pode
simplesmente esquecer o passado. Desde o golpe de 64, o País vem sofrendo
alternâncias de crises, de confiscos e desilusões. Depois de toda a opressão
imposta pelo regime militar, os brasileiros sofreram uma série de golpes
frustrantes na Economia, desde a crise do México, a moratória, os planos
Cruzado, Bresser, Verão, Collor, fechando o ciclo com a desvalorização cambial
do ano passado. E tudo isso dentro de duas décadas de atraso, onde o PIB
cresceu apenas pouco mais de 0,2% ao ano. Nossa distribuição de renda
agravou-se ainda mais, a ponto de ser considerada uma das piores do mundo.
Serão explicações razoáveis?
A meu ver, como já escrevi em
artigo do mês passado, ocorreu uma espécie de deterioração do sentimento de
nacionalidade. Admito também, agravada por uma ruptura nas regras do jogo
cooperativo entre os três parceiros da Economia: os trabalhadores, os
empresários e o Governo. É nesse sentido o artigo do deputado Delfim Netto,
publicado no jornal Valor (11.07.00), que afirma: ‘É preciso construir
instituições que, sem prejudicar a eficiência, garantam aos trabalhadores uma
realidade participativa, uma faceta fundamental da aspiração por ‘igualdade’
que persegue o homem. A sobrevivência da Democracia exige que eles se percebam
parte integrante e respeitada do processo de crescimento da sociedade, e não
seres alienados para os quais o desenvolvimento material e a liberdade são
irrelevantes.’ A seguir afirma ser preciso dar ao cidadão perspectivas de
cooperação como parceiros, de liberdade criativa e de relativa igualdade. Essas
funções seriam das empresas, mas cabe ao Governo criar o ambiente estimulador
para esse novo conjunto de regras, o que permitiria a competição sem a perda da
perspectiva. E termina seu artigo com um alerta: ‘Crescimento pela competição
num regime democrático é o nome do jogo. Mas é preciso cuidado e sensibilidade,
porque o fundamentalismo mercadista pode fazer muita coisa, mas não pode
garantir a relativa igualdade entre os indivíduos, um valor que eles jamais
deixarão de perseguir.’
Vou além e acrescento que para
essa tarefa de administração do jogo não se pode contar com o atual Governo,
não só pela sua falta de sensibilidade, como também pelo fato de ser ele, o
Governo, o principal foco de desestabilização econômico-social. O que concorre
para tanta desilusão não são só os espetáculos a que estamos assistindo de
corrupção, impunidade, irresponsabilidade generalizada. A perda do sentimento
de nacionalidade tem muito a ver com a desnacionalização da nossa Economia, com
a invasão de empresas estrangeiras, numa espécie de demonstração prática de que
o brasileiro é incapaz de gerenciar e produzir, devendo se restringir apenas à
função de rentista, como se dizia no século 19.
Todo esse processo provocou a
exclusão da classe média do debate e do cenário econômico. Mandaram-na deixar suas
empresas para mãos mais eficientes e que fosse viver de aluguel. O Governo
atual, com essa política, sinalizou com clareza que o Brasil não terá grandes
empresas de expressão internacional, não terá suas multinacionais. Não estará
aí, justamente nessa política de alienação patrimonial, uma das principais
razões da desesperança e do pessimismo atual do brasileiro?
Por tudo isso, quando leio ou ouço
esses apanágios antigos do Liberalismo como o do Estado fraco, da globalização,
da mão invisível, fico imaginando qual será a reação da opinião pública quando,
afinal, acordar e perceber que lhe tiraram tudo e sequer restou o aluguel. Será
que teremos de esperar e pagar para ver chegar esse momento trágico? Não será
melhor que, sobretudo como obrigação da maior parte dos formadores de opinião,
se comece logo a reagir e a defender os legítimos interesses nacionais?
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